14 de maio de 2008

Sentimento de posse



O que fazer quando o amor excede os limites da razão?
Por Renata Agostini • 08/05/2008

Para viver uma grande paixão, vale quase tudo. Provas exageradas de amor, confissões de fidelidade eterna e até rompantes inesperados de ciúme. Para os apaixonados, até pequenas brigas se tornam um tempero na relação. Mas, como todos sabem, a paixão pode passar. E, se não restou cumplicidade entre o casal, é fácil saber como a história termina. Nessa hora, muitos confundem o amor construído com um sentimento de posse. Agir como dono da vida do outro pode ser tentador para quem ama, mas pode ser também fatal num relacionamento.

Para os que se encaixam no perfil de ciumentos incorrigíveis, uma boa notícia: ciúme não tem a ver, necessariamente, com sentimento de posse. Não é nada fácil manter uma relação sem exigir certa dose de exclusividade, e se importar com os sinais de atenção do companheiro faz parte do jogo. Segundo o psicanalista Paulo Próspero, ter ciúme é algo natural. Ele explica que em todo relacionamento amoroso há uma requisição de prioridade, o que, de maneira bem dosada, é saudável. "A questão está na capacidade da pessoa de mostrar interesse. A exigência de prioridade está relacionada ao próprio amor. Por mais que digam que o verdadeiro amor passa por tudo, trata-se quase de um pacto de disponibilidade e isso requer atenção contínua", observa.

Mesmo que você queira, não pode ser dono do outro. E para existir a relação é preciso este espaço. O sentimento de posse tira a liberdade de ação do outro. É conseqüência de uma insegurança profunda

Há uma linha bastante tênue entre o ciúme e o sentimento de posse, mas que separa tipos de relação bem diferentes. O ponto em comum é o sentimento de perda. É quase impossível não temer a falta de quem se ama, por isso, qualquer sinal de afastamento ou desatenção leva ao questionamento sobre a relação. Na posse, porém, há o sentimento de perda do poder sobre o outro e não do amor. Quem explica é a psicóloga Nina Maria Góes: "O sentimento de posse nada tem a ver com amor. No ciúme, o foco é o outro. Já, na posse, o foco sou eu. Uma pessoa possessiva não será sempre ciumenta, porque estamos falando de coisas diferentes".

Ela cita como exemplo a relação afetiva retratada no filme "Encaixotando Helena", de Jennifer Chambers Lynch. No filme, um renomado cirurgião cria um acidente para que a vítima, por quem era obcecado, seja levada para a casa dele. Com o tempo, ele vai mutilando-a, cada vez que pensa na possibilidade de ela escapar. Segundo Nina Maria Góis, esta história extrema chama a atenção para como o sentimento de posse é destrutivo e não condiz com o relacionamento amoroso: "Ele nunca se importou com ela, mas com ele. A posse poderia ser chamada de um autismo afetivo, em que não há comunicação com o outro. Não existe sequer o outro em si. Existe apenas enquanto ele traz algum ganho", afirma.

Por isso, a posse é sempre danosa à relação, mas o ciúme nem sempre. Se o controle sobre a vida do outro supera o seu bem-estar, é sinal de que há algo errado. O alerta está para quem impõe este domínio, mas também para quem se deixa levar pelas imposições feitas. O psicanalista Paulo Próspero lembra que não é à toa que o ditado "ninguém é de ninguém" se tornou tão popular. "Mesmo que você queira, não pode ser dono do outro. E para existir a relação é preciso este espaço. O sentimento de posse tira a liberdade de ação do outro. É conseqüência de uma insegurança profunda", observa.
Esta complicada relação entre amor, ciúme e posse pode afetar também amizade e até mesmo relações familiares. É comum que amigos entrem em conflito quando o outro começa a namorar ou passa a fazer parte de um novo ciclo de amizades. A advogada Mariana Baptista precisou de muito jogo de cintura para não cortar relações com sua melhor amiga, após começar um namoro. Ela conta que, como as duas era muito ligadas e faziam quase todos os programas juntas, foi difícil para sua amiga entender que precisaria dividir seu tempo e atenção com uma outra pessoa. "Ela gostava do meu namorado, mas não conseguia entender que num sábado à noite eu preferia ficar só com ele em casa vendo filme. Dizia sempre que estava com algum problema e eu acabava indo até à casa dela para conversarmos e consolá-la. Brigava comigo por não ser uma boa amiga e eu acabava me indispondo também com meu namorado", conta.

Nestes casos, a lógica que comanda os três sentimentos segue a mesma, explica Paulo Próspero. O ciúme é normal, mas é preciso respeitar a liberdade do outro. "A amizade pode ser vista como uma forma leve de namoro, só que não há sexo. A diferença é que, quando há amor com sensualidade, tudo fica mais forte e evidente", pondera.

O sentimento de posse pode se tornar mais evidente em momentos de término. É sempre difícil conseguir se desvincular, tocar a própria vida e deixar que o outro siga com a dele. A administradora de empresas Paula Oliveira demorou a perceber que o namorado não a amava mais e, após terminar, viveu uma relação de idas e vindas durante meses. Toda vez que se propunha a seguir em frente, e o ex-namorado percebia, ele a procurava, mas nunca decidido a reatar o relacionamento. "O exemplo mais claro para mim foi durante uma festa em que não esperava encontrá-lo. Quando ele chegou de surpresa, estava abraçada com um amigo. Na mesma hora, ele me chamou para conversar. Fez promessas, disse que sentia minha falta. Não ficamos juntos, mas depois da festa telefonei disposta a voltar. A resposta dele foi que voltaríamos a conversar quando ele voltasse de uma viagem com os amigos", conta.

Segundo o psicanalista Paulo Próspero, situações como esta acontecem quando o casal não concretiza o término da relação efetivamente. "O fim de um relacionamento acontece quando há um total afastamento. É preciso entender que nada acaba de uma hora para outra. Uma coisa é o término formal e outra o término do amor. Isso requer tempo e o luto tem de ser feito. A pessoa tem de fazer um trabalho interno e psiquico", orienta.

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